A cidade cheirava a manga. Cercada
de manguezais, a comunidade de Quilombola (afrodescendentes) estava acostumada a
ver o farol do Cabeço, que é um antigo povoado submerso pelas águas do mar, hoje
uma Área de Proteção Ambiental, APA - Litoral Norte. O Povo dali nem sequer se
preocupava em conhecer a história da cidade onde residem, Brejo Grande. Vivendo
da pesca, comendo arroz, manga, coco, mandioca e peixe, o povo vive feliz.
O cheiro de manga vinha da varanda da enorme da casa de madeira com teto forrado
de palha. Naquela noite o céu estava bordado de estrelas e a lua iluminava o rio
São Francisco. Na rede o merceeiro e pescado, fumava o cigarro dando tragadas
violentas. O vento soprava na praia a fumaça do demônio que atacava em silêncio
o jovem velho. Foi quando chegou a mulher de olhar meigo e sorriso baixo. A
mulher de cabelos afro, vez por outras levava o mata piolho na cabeça. A moça
sem nome tinha olhos cor de amêndoas, pés descalços e corpo perfeito. Era a
sereia de Cabeço - dizia o povo da pequena cidade.
A bonita morena tinha amarrado nos pés fitas rosadas como se fossem sandálias
sem sola, ficaram lindos os pés da sereia. Uma portinhola batia ao vento, nenhum
dos dois se moveu. Era apenas um som que se misturava ao movimento do rio. O
silêncio entre os dois era mortal. Enquanto ele fumava e balançava a rede, ela
caminhava no piso de madeira mostrando os pés e a sombra do corpo por de baixo
do vestido branco-desbotado. Ali, fazia falta um beijo ardente.
Era cedo ainda, quando a moça se sentou no chão com as pernas abertas. Ela
arrumou a saia, colocou o prato com quatro mangas entre as pernas. O que se
escutava era um som de prazer em cada chupada de manga. Da boca escorria o caldo
amarelo das mangas doces. Ele observava a morena e sorria com o canto da boca.
Outra tragada e mais outras, um cigarro quase que atrás do outro. Ela era uma
menina chupando manga. No silêncio da noite os sonhos se calam e a vida dispara
poesias, luz,agonias, mortes, abandono, sofrimento, solidão e preguiça. Assim é
que em Brejo Grande, na cidade, aquelas duas almas em silêncio profundo se
amavam.
A madrugada avançou, o mar invadiu a praia, um bêbado passou sem rumo. Os dois
se olharam sem nada dizer. Era o mais morno universo do amor. Até que ele olhou
para o bêbado e depois olhou a morena firme e disse, o que não me completa não
merece o meu respeito mulher. Ela balançou a cabeça concordando. Morta de sono
se retirou rumo a rede que se encontrava do lado oposto do moreno de cabelos
rebeldes e fartos. A mulher não conseguiu cobrar o preço do desejo, não
conseguiu nem oferecer grátis, o silêncio horrendo matou os dois de cansaço e
desgosto. |