Os lábios dela eram pétalas pálidas que desabrochavam ao som de sussurros e
lágrimas doces. No olhar perdido a derrota de ver que tudo que havia vivido,
tudo, tudo que havia conseguido através de muita luta; se perdeu na despedida do
parceiro.
Os lábios dela
cheiravam desde a juventude à canela. Naquelas épocas boas da juventude os
rostos eram empoados de pó de arroz, nas bochechas um toque esfumado de ruge, os
lábios perfeitos pintados com cochonilhas-do-carmim. Sapatos brancos, vestidos
de brocados e muitos bailes e danças e coquetéis.
O luxo das
rendas, sedas e couros ficaram para trás. O guarda chuva rendado com cabo de
marfim que havia sido presente da tia que ela entregou suas intimidades e
dúvidas, continuava ali pendurado num canto do quarto úmido, cheirando a mofo.
Leonora tinha um olhar vivo, radiante e uma alegria que cativava a todos que
conviviam com ela. Só que o tempo havia passado muito rápido. Os pares de
sapatos empoeirados continuavam enfileirados esperando que o tempo voltasse
atrás ou que algum pé corajoso, tivesse a coragem de tira-lo dali para dançar.
Na penteadeira
o pó de arroz Dana, Helena Rubistein nunca mais foi aberto. A prova do tempo ter
voado era a latinha de carmim que sentada ali, contava a história daquela boca
de muitos beijos. Nem ela acreditava que aquela boca sedutora estava aposentada.
Ela nunca pensou que na vida não havia volta. “É amiga o tempo é uma espada que
pode ganhar a luta ou pode acabar enfiada no próprio peito do lutador.” Me disse
ela com olhos mortos.
Pobre mulher,
ainda era linda, a pele cheirava à lavanda a beira do precipício pertinho de
encontrar a paz se entregando ao sossego eterno, cercada de anjos ainda assim;
sua áurea brilhava pedindo mais vida, mais amor, mais luz e piedade. Ninguém
podia interferir no destino daquela mulher maravilhosa. E assim foi Leonora se
entregando aos poucos, morrendo de saudade e solidão. Numa manha de fevereiro,
enquanto lá fora o povo do Rio de Janeiro pulava de alegria, os olhos verdes
daquela mulher vencida pela solidão, fechou-se. Fiquei me perguntando se o amor
era essa crueldade toda, ou se era a única coisa que podia unir os seres humanos
de verdade.
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